segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Adios felino



Toda hora: quando o Amor chega e vai embora...

Noite de sexta-feira. Cidade aos vapores. Sons por todos os lados, flertes, festas, fogos e artifícios. Superfícies, frestas, pessoas, pronúncias, verbos poucos, beijos, ai's. 
Na mesa do bar, minha irmã fugia do calor. Ela e seu rapaz se apaziguavam no bafo do mar, que estava ali logo à beira de nós.
Como a vir de alguma residência vizinha das bandas do Rio Vermelho, aparece um gato. Bicho felino, em noite de bichos tantos, outros, de toda espécie, e sorte, e nome, e humor. O gato era dócil, criança possivelmente. Aparentava lá seus 7 meses de vida. Um dengo só. Se desdobrava em carícias de pelúcia - seu diálogo.

Como não amar? 

Se fez logo amigo de quem se abriu para recebê-lo. E deitava, e lambia, e cochilava.
Do lado de lá, a moça que trabalhava no bar se importava com a presença do gato, no sentido de não desejá-lo. Afinal, era um bar, e gatos não habitam bares.
O gato transitava. Ela não queria. Manifestou verbalmente, gestualmente, o quanto não o queria. Eu, por minha vez, o prendi ali no meu dengo de colo, seu chamego ronronado. 

Ai, como eu amo aquele motorzinho da barriga dos gatos!

- Lamento, moça do bar, mas se ele vem, eu não posso dizer que não quero. Como não amar?

Depois, decidi soltar o bichinho para ele ir explorar a noite como fosse de seu agrado e caminhar. E ele foi livre, saltitando pelo salão. 
A moça, de prontidão, antecipou o passo, e mais uma vez tomou o gato nas mãos, atravessou a rua e o deixou na calçada do lado de lá. Ele - criança, amigo, pequeno, manhoso - de prontidão, antecipou o passo para voltar para a companhia dos seus (digo, especialmente eu e minha irmã).
Nesse momento, já nos últimos passos de alcançar a calçada de cá, ouviu-se o barulho: um monstro automobilístico - com motor bem mais potente em termos de pressa e barulho e bem aquém em termos de alegria - atropelou o bichano neném.

Público de bar, em fim de show, assistia a essa última cena do espetáculo da noite. O pequeno se agitava e debatia, entrando no transe frenético da dor. Um moço o colocou para próximo da calçada - com cuidado para não se sujar de sangue e de modo que nenhum outro monstro movido a gasolina pudesse esmagar o que restava de gato.

Desci escadas abaixo. Já sabia que ali era assunto de partida. Se meu amigo atravessou a rua para vir ao nosso encontro mais uma vez, assim sua sina foi cumprida: ele me encontrou. Coloquei minha mão sobre seu corpinho, que a cada segundo se debatia menos frenético, aceitando assim o pulso que ralentava, no transe lisérgico de des-nascer.

E a morte nunca antes havia nascido em minhas mãos...

Finalmente, o seu corpo entrou em relaxamento profundo, findando todo o groove de sua vida felina. Já não sofria. Foi rápido. Eu quis estar ali quando ele partisse e que o último toque que ele sentisse fosse o da minha mão. 

Por fim, fizemos um cortejo: eu e ele. Ele derramado em si, em sangue. Eu me debulhando em lágrimas... em parte feliz, pelo fim precoce de sua dor... em parte triste, pelo fim de uma criança que pairava inocente na noite dos bares, dos adultos, dos lucros, dos suínos apressados. 

A noite não é lugar de gato?

E o mundo...  é lugar de gente?

Seu corpinho molinho ia em meu peito. O entreguei às águas, para cair nos mimos da sereia, que certamente não se ofenderia com sua presença-pureza.

Vai, gatinho!
Navega no colo das águas, em dengo infinito.

Eu te agradeço a oportunidade tão linda de te ter percebido e dado Amor naquele aqui-agora.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Lélis, leve-me leve

A cantiga sua faz bem para o corpo.
Leva o coração por onde passar
e bebe caminhos.

Que lindo.
Um mimo, um ninho de Sertão.

Um ser sempre novo
o povo que vive a chorar,
nas asas do passarinho.

Lá chove!
e a chuva é um dengo.
Seu dom é de águia
erguida nos ventos.

Eu vi carcará,
coruja, coragem.
Eu te ouvi, mulher.

Aqui nesta noite - espelho,
Eu te agradeço o Uni versos
aqui nesse verso...

Você me cantando:
Assim...
presente ser tão!

Pra meu canto de passarinho,
Você já é o próprio céu.







Jay Guru Deva Om

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

sol-te




Em meados de algum tempo que se deixou passar e virar retrato, abri um livro de cor laranja onde Leminsk dizia:

sol-te

Assim mesmo: sozinho, aleatório, minúsculo; numa única lauda, cuja branca lauda vizinha nada dizia. Achei aquilo uma sorte; quase profético; proteico; tão óbvio quanto querer.E isso não tem nada com nomes, cores, egos, centros, signos, ou coisas de gênero. Não há nada disso. O que me chegou foi o:

sol-te

Assim... chegando.
Dizendo: tome, receba, exerça a sua natureza de sol.
Torne-se sol. Você é um pedaço do que explodiu. E explode.

sol-te

A propósito, toda estrela nasce de uma explosão. O sol é estrela.
Para sol-ser é preciso explodir-se, ser-se, estrelar-se; soletrar o soltar; supernovar-se como se a própria Liberdade conjugasse calma e convicta o seu mais forte imperativo:

sol-te

A Liberdade é estrela; nasce de explosão; império de passarinho.
Já pensou se todo mundo resolvesse sol-tar-se, compreender-se sol?

Porque o sol não é meu, nem sou eu. Ele é fonte primeira da projeção da vida; é tudo e todos; é o eterno bastardo solitário; o que há de sempre nascer e morrer, enquanto tudo passa, em seu redor, tranquilo como o início a se espelhar num fim:

 sol-te

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