terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Desconvidando a pressa

Vou de cá, tropeçando a passos lentos, descalçando desejos que não cabem no meu pé e andando, andando, andando. A Pressa vem aflita atrás me empurrando, insistindo que eu corra com ela. Respondo:

- Descalça não dá para correr, me doem os pés. Quero não. Não busco suas passárgadas, nem suas horas de voltar. Vá com quem quiser, que se eu não chegar a tempo de cobrir-me com êxitos, me basto com minhas inglórias e volto a sentir firme o que der. Pego, então, outra estrada e sigo novamente, no rumo dos meus batimentos cardeais, dos meus pontos cardíacos, das minhas rosas, dos meus ventos e correntes de água doce. Se em qualquer dessas estradas o Amor der pé, ele andarará no mesmo passo que eu. E ao lado dele, terei ido por conta do meu passo e não do passo da sua cobiça em querer dar carreira ao tempo, não do passo da sua ansiedade em querer chegar a lugar nenhum. Ande lá, que eu ando cá. E o Amor? Já dá pé desde a hora que nasce e é o que me faz caminhar e brigar com moinhos de vento. E sempre venço as minhas pelejas inventadas, apesar dos arranhões quase reais. Pra que correr? Eu só quero saber das estradas e daquele que anda ao meu lado e do lado de dentro.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Ah Mar !

Um chão cheio de água
Um chão cheio de água salgada

Um chão cheio de água salgada
E em cima dele, vários barcos flutuando
(Ao redor dos barcos, um oceano)
E em cima dele um trans-atlântico

Um chão cheio de água salgada
Um chão, a água, o sal
os barcos, o céu, um trans-atlântico
e em cima dele, na proa, uma menina
querendo ser barco

Um chão cheio de água salgada
A foz, o grito, a nuvem
o barco menor, o redor, o som, a nau
e em cima dela, na proa, mais uma menina
querendo ser água (e sal)

O dia, a nau, o sal, o céu
o chão, o dó, a dor, o dom, a cor
a menina, mais uma, a proa
a surperfície (da água)
as duas:
a água e o barco
um abraço

Um chão cheio de água salgada
no abraço, o doce, o que fosse
o porto seguro e o além mar:
uma se mareiando
para a outra navegar.
Ah Mar!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Veja se

Estamos cá dentro de nós inventando senhas para fingirmos pureza, ou desprendimento, ou irresponsabilidade, ou soberania, ou qualquer coisa que dê crédito. Colecionamos segundas, terceiras,médias, décimas, septuagésimas e enésimas intenções. Forjamos rebeldia. Somos quadrados e não admitimos que coisas que não têm nome possam ser sentidas; qualquer coisa que escape das nomenclaturas ou é chamada de loucura ou de poesia (embora as poesias dos hojes insistam em propagandear tantos códigos de beleza). Guardamos a cruel necessidade de sermos donos daquilo que supomos amar; temos a mania perturbada de encarcerarmos o outro dentro de nós, de tal maneira, que não permita nem adeus, nem perdões; e o outro fica lá, no emaranhado interno, teso como um espantalho que afugenta os abutres que espreitam a nossa plantação de coisa nenhuma. Subjugamos tudo aquilo que não podemos chamar de nosso, como se ao serem nossas, as coisas tomassem uma gravidade inquisitiva e se configurassem mais dignas de mérito, dignas de nota no calendário de algum jovem disposto e repleto de libido, histeria e estética. Amor está além da pélvis. Amor É.

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Gestão da Loucura

O grande labor da loucura é que ela não é perene.
A inconstância da sua peregrinação interna,
a andar por caminhos nossos
que nem mesmo nós sabíamos que existiam.
Não pede licença, não paga pedágio
cigana, nômade, prostituta benfeitora
disfarça-se do que quer, cá dentro de nós
Oras, a temos como amante
Oras, madrasta
Oras, ela foge e nos deixa ocos
sem casca.

Alucínio

A intensidade irremediável dos meus signos parece conduzir por caminhos inóspitos, onde só os meus pés percebem o chão imaginário de uma realidade não compartilhada.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Parafraseando a carência

É aquilo de falar tanto e estar sempre calada
O que irremediavelmente se instaura e fica:
A minha carência é o excesso de ser olhada
e a falta de ser vista.

Nicotina, cinzas, fotografias

Aos poucos e a cada suspiro, eu lhe sorvia o hálito de nicotina fresca. Oras, nociva aos meus pulmões vulneráveis. Oras, benevolente aos vícios irregulares do meu corpo. Era um capricho, o que veio para mimar fevereiro, uma entrega com gosto de engano e uma prévia sensação de que tudo pareceria muito distante no dia seguinte. Mesmo assim não havia, naquele instante em que eu lhe tragava o sono, a preocupação ingênua de quem espera, tampouco o medo do inesperado. Havia uma atmosfera sem urgências, sem pressa, sem a ansiedade dos que aguardam (roendo unhas) uma quarta-feira de cinzas e onde eu, insone, simplesmente, velava o sono dela.

A propósito, eu nem lembrava mais: lá fora era carnaval.

Dentro do quarto, cujo cheiro me fazia esquecer que eu evadia do meu próprio universo inquieto, fazia um calor insuportável e eu perdi o compasso da respiração. O quarto dela me dava a sensação de um infinito comportado e cheio de ordens... tão suas. O ambiente dela era ela e me fazia rememorar seu hálito, seu signo, seu nome, seu sexo (nocivo ao meu juízo pouco, benevolente aos meus calafrios de fêmea).

Dentro daquele mundo de efeitos canabinóides, aprendi a ler devagar e com erros de concordância tudo o que os seus olhos me diziam enquanto sua boca me alimentava a tez. Sei que, em algum momento, elevei o pensamento para diante de nós e vi nossos corpos formarem um laço, um hieróglifo indecifrável ou qualquer imagem que, mais tarde, minha lembrança infantil pudesse chamar de bonita ou de poética, assim como o minuto em que nossas mãos a sós travavam diálogo entre elas como a serem velhas conhecidas de estrada.

Ávida de pele, eu me deitava no colchão e já nem sentia arrepios. Já me arrefecia da euforia de um crime malfeito, porém deliciante. A fome jazia sufocada pelo cheiro de mulher e cigarro que se espalhava pelo quarto. Eu via um corpo nu de menina nua dormindo na cama, que horas antes - tão determinado e superior - me levara ao delírio do desconhecido com sua língua a me colher suspiros e gemidos, guiada pelo seu desejo solícito e lancinante. Ela me conduzia a ver o nosso sexo em tudo e tudo era lindo. Ela era sedutora com conhecimento de causa e de efeitos.

Era, então, a descoberta de um pecado conjugal, um affair de carnaval, cujas cinzas encheram o cinzeiro por vezes inumeráveis, sexo após sexo, transbordando até a quarta-feira e, por quantos dias mais... não sei... nem me importa saber. Lá fora ainda era carnaval e quando não fosse mais, das cinzas o tempo cuidaria. Certamente, se misturariam a uma solidão criativa só minha, do mesmo jeito que as cinzas da quarta-feira (de toda a euforia queimada nas avenidas) tingem a solidão dos que voltam para casa exauridos, com os pés cheios de calos e a alegria desbotada.

Entretanto, eu não tenho calos nos pés e a minha alma não deixou de ferver só porque o trânsito do dia seguinte voltou ao normal. Ainda há de ferver leve e gratuita só de apreciar o calor das recordações de dias concedidos pelo acaso, regadas tão deliciosamente pela água da libido feminina. E tais recordações foram tecidas ali, justas e firmes como convém aos que têm a terra como elemento astral...

Antes de raiar o dia, o corpo satisfeito e cansado dela inebriava o meu corpo com a insônia que me fez levantar disposta a chamar de romance os dias quentes do nosso carnaval particular. Dias esses que me pareciam ser rodados em fina película de filme francês com sotaque tupiniquim, numa montagem que ia desde a luz amarela em tom de incêndio do seu abajur, até o vermelho indelicado e decadente do meu esmalte quebrado... até as caras que eu fazia diante de suas represálias de menina séria.

Sentei ali diante de mim, em seu mundo, e revivi o gosto de tudo, já que o fim do carnaval se aproximava. Preparei as melhores imagens e fiz um álbum de fotografias que divulgarão só para mim, quando eu quiser ou precisar, todas as cenas em que eu ‘me fingia tua e te fingia minha’. Ensaiei através delas o sabor das memórias da nossa paixão pagã e clandestina (tão minha que chamo de nossa) e me satisfiz nutrindo a ilusão que me dei de presente do começo ao fim da festa. E chamo assim, de ilusão, só por conta da aparência superlativa do meu desejo em sua força de expressão.

Depois da festa, já não sei o que virá: se virão dias gloriosos ou dias com frustração na saliva. A mim não importa. Sei do que foi delícia até aqui, transponho essa delícia em verbos e neologismos e guardo tudo em uma caixa de segredos. É a parte que me cabe.
- Hora de acordar, baby!
Lá fora já não é mais carnaval... e as suas fantasias, guarde-as para o próximo baile.


17 de fevereiro de 2010.

Quem sou eu, Orkut ?

Oras, quem sou eu?!

Por aqui eu sou bonita
Legal, popular, cantora...
Amiga não, mi-gu-xa!
Por aqui, sempre BOMBANDO
Por aqui, sempre sorrindo
Porque aqui não existem problemas
Tudo é azul...

Por aqui sou feita de gigabytes
Ando à velocidade globalizada
Falo inglês, francês, castelhano e javanês
Por aqui me disseram até que eu sou caucasiana
(Caucasiana, o caralho!!! Eu sou é preta, porra!!)

Por aqui sou sucesso
O papo é scrap
O segredo, depoimento
O relógio, download
(você só percebe o tempo quando demora)

Comunidades são templos falidos
Mensagens, repartições públicas
Vídeos preferidos, alucinações do deserto
Quer evoluir? Editar Perfil!

Já cheguei até a pensar que pode ser a visualização colorida de espíritos sem cor...

Por aqui "te amu" é mais fácil
A pele aqui não tem cheiro
O olho aqui não tem verbo
O verbo aqui não tem tom
E os tons aqui são "smile"

Nessas bandas, sou profeta
Todo dia tenho sorte
Me perco da rosa-dos-ventos
E até Deus tem perfil
Outro dia Ele até relampejava sua máquina digital.
No dia seguinte... olha lá Seu albúm atualizado!
(BOMBOU, SENHOR!!!)

Por aqui eu tenho lábia
Sou safa
Sá Fada...
Por aqui perdi o tino
Fotografia oculta dá vertigem
Scrap respondido dá tesão
Por aqui imagino fodas homéricas e apertos de mão
Mas tudo o que “ouço” é:
"Vamos marcar!"
"Como é que foi o São João?"

Por aqui, por aqui, por aqui...
Posso ser de verdade para quem vive de mentiras

Por aqui não sou de verdade, MERDA!
Nesse palco azul desbotado
Com essa gente cara-de-cocô
Todo mundo é artista
E todo amigo é amor:
”Me add aí, linda!”

Por aqui a pergunta não quer calar:
“Você tem msn?”
Isso soa como um uníssono:
“Quer transar comigo?”
Aliás, por aqui, existe até papel passado:
Solteiro, Namorando, Relacionamento aberto e Casado

GLÓRIA!!!
E até que eu tenha peito para querer ser só “de verdade”
Vou permanecer virtual para ganhar os aplausos dos perfis
Dentro dessa vida azul transbordante desse país sem medos
Vou continuar antidepressiva
Com fotos exuberantes diante dos espelhos foscos

Vou andar carente na chuva de beijux ensurdecedores
E vou na busca de querer um amor de carne e luz
Pois minha vida é preto-e-branco-poesia
E já não sabe da paciência para tanta euforia lerda
E já não cabe em si de tantas palavras que prefere recitar
Olho por dente

Meu perfil NA VIDA precisa de gente de verdade:
Me add LÁ, lindos!!!
LÁ eu sou muito melhor
Sou fato consumado
E os meus pecados são vermelhos.



Outubro de 2008