domingo, 30 de janeiro de 2011

ANTI VIRTUDE

Eu adoro quem não escolhe o que come. Só come.
Eu só como o que me escolhe.
E o que me escolhe não diz que escolhe, nem se dá nome, nem cargos de confiança.
Quem escolhe não sabe que escolheu. Só fica ali me comendo os sentidos e eu descomendo as horas, ruminando os sonhos. É isso mesmo.

Eis a minha grande anti-virtude: o meu cio não me controla.
Apesar de eu também não controlar o meu cio.

Hoje, enfim, eu estou aqui distraída.
E não preciso do seu endereço.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Desconvidando a pressa

Vou de cá, tropeçando a passos lentos, descalçando desejos que não cabem no meu pé e andando, andando, andando. A Pressa vem aflita atrás me empurrando, insistindo que eu corra com ela. Respondo:

- Descalça não dá para correr, me doem os pés. Quero não. Não busco suas passárgadas, nem suas horas de voltar. Vá com quem quiser, que se eu não chegar a tempo de cobrir-me com êxitos, me basto com minhas inglórias e volto a sentir firme o que der. Pego, então, outra estrada e sigo novamente, no rumo dos meus batimentos cardeais, dos meus pontos cardíacos, das minhas rosas, dos meus ventos e correntes de água doce. Se em qualquer dessas estradas o Amor der pé, ele andarará no mesmo passo que eu. E ao lado dele, terei ido por conta do meu passo e não do passo da sua cobiça em querer dar carreira ao tempo, não do passo da sua ansiedade em querer chegar a lugar nenhum. Ande lá, que eu ando cá. E o Amor? Já dá pé desde a hora que nasce e é o que me faz caminhar e brigar com moinhos de vento. E sempre venço as minhas pelejas inventadas, apesar dos arranhões quase reais. Pra que correr? Eu só quero saber das estradas e daquele que anda ao meu lado e do lado de dentro.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Ah Mar !

Um chão cheio de água
Um chão cheio de água salgada

Um chão cheio de água salgada
E em cima dele, vários barcos flutuando
(Ao redor dos barcos, um oceano)
E em cima dele um trans-atlântico

Um chão cheio de água salgada
Um chão, a água, o sal
os barcos, o céu, um trans-atlântico
e em cima dele, na proa, uma menina
querendo ser barco

Um chão cheio de água salgada
A foz, o grito, a nuvem
o barco menor, o redor, o som, a nau
e em cima dela, na proa, mais uma menina
querendo ser água (e sal)

O dia, a nau, o sal, o céu
o chão, o dó, a dor, o dom, a cor
a menina, mais uma, a proa
a surperfície (da água)
as duas:
a água e o barco
um abraço

Um chão cheio de água salgada
no abraço, o doce, o que fosse
o porto seguro e o além mar:
uma se mareiando
para a outra navegar.
Ah Mar!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Veja se

Estamos cá dentro de nós inventando senhas para fingirmos pureza, ou desprendimento, ou irresponsabilidade, ou soberania, ou qualquer coisa que dê crédito. Colecionamos segundas, terceiras,médias, décimas, septuagésimas e enésimas intenções. Forjamos rebeldia. Somos quadrados e não admitimos que coisas que não têm nome possam ser sentidas; qualquer coisa que escape das nomenclaturas ou é chamada de loucura ou de poesia (embora as poesias dos hojes insistam em propagandear tantos códigos de beleza). Guardamos a cruel necessidade de sermos donos daquilo que supomos amar; temos a mania perturbada de encarcerarmos o outro dentro de nós, de tal maneira, que não permita nem adeus, nem perdões; e o outro fica lá, no emaranhado interno, teso como um espantalho que afugenta os abutres que espreitam a nossa plantação de coisa nenhuma. Subjugamos tudo aquilo que não podemos chamar de nosso, como se ao serem nossas, as coisas tomassem uma gravidade inquisitiva e se configurassem mais dignas de mérito, dignas de nota no calendário de algum jovem disposto e repleto de libido, histeria e estética. Amor está além da pélvis. Amor É.

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Gestão da Loucura

O grande labor da loucura é que ela não é perene.
A inconstância da sua peregrinação interna,
a andar por caminhos nossos
que nem mesmo nós sabíamos que existiam.
Não pede licença, não paga pedágio
cigana, nômade, prostituta benfeitora
disfarça-se do que quer, cá dentro de nós
Oras, a temos como amante
Oras, madrasta
Oras, ela foge e nos deixa ocos
sem casca.